Está definido o itinerário, 6.500 km já planeados, dia-a-dia.
Até Marraquesh não há novidade, já lá estive e faz-se bem. Daí para baixo, depois de passar o Anti-Atlas é que começa a verdadeira aventura, já são paisagens desconhecidas e muitos km seguidos de pista sem fim.
Depois de Marraquesh são mais de 600 km até Tan-Tan Plage e muitos, muitos mais para Dahkla, por uma estrada que já vi chamarem de “route de l'espoir”, um troço que parece mais difícil, no Sahara Ocidental, um dia para percorrer 850 km de asfalto e zonas com areia com vento forte. Ao chegar à Mauritânia vamos ter o nosso 1º dia de descanso e daí para baixo são percursos menores. Está previsto chegar em 10 dias a Dakar e mais 4 até Bissau.
Um total de 11 etapas, dois dias de descanso e 6 passagens de fronteira.
Pensava eu que conseguia empoleirar a tralha toda na moto. Pensava. Era meia-noite desisti e fui bater à porta do vizinho para o convencer a levantar-se de madrugada e ir comigo até à Vela Latina com a bagagem extra. Chegámos pelas 8:30h e já lá estavam muitos Amigos que se foram despedir e, claro, tomar um cafezito. Fiquei muito contente por ver tanta gente lá e mais que foram chegando. Amizade e carinho, que mais é necessário? Ainda trouxe para a Viagem uns pastelinhos de feijão que o João Calado ofereceu e um chouriço de porco preto que o Vítor Alexandre obrigou a prometer ser comido a 1.500 km de Portugal.
E lá fomos, atravessámos Portugal, atravessámos Espanha, torrámos em Sevilha e fomos sendo incinerados até Tarifa. Conseguimos chegar 20 minutos antes do barco, passámos nas calmas, pouca gente, desembarcámos em Tanger e pronto, estamos no estrangeiro.
Surpreendentemente, só demoramos cerca de 45 minutos na fronteira mas para compensar, demorámos outro tanto só para atravessar a cidade. Um caos de trânsito, muitas pessoas na rua, rotundas atafulhadas de carros e mobylettes que atravessam as rotundas como se fossem simples cruzamentos. Um entardecer movimentado.
Rumo a Assilah, a nossa primeira paragem para descansar. Já de noite, cortámos à esquerda para um acesso em terra, uma estrada perdida no interior desconhecido de Marrocos, com alguns quilómetros de subidas e descidas, buracos e valas, noite escura como breu. Depois de 670 km de estepe e sol, só mesmo de noite eu fiz isto…..
Para chegar aqui
Um pequeno Hotel de charme chamado “Meson d’Hotêl”, rústico e lindooo
Assilah - Marrakech
31 Maio – 2º dia de Viagem
Saímos pelas 10h rumo a Marrakech. Auto-estrada todo o dia, um calor infernal, paisagens fantásticas. Sempre até ao destino de hoje. Queremos descer a Sul depressa e esta é a melhor forma. Rápido e monótono.
Chegámos a Marrakesh cerca das 5 da tarde. O Hotel é dentro da Medina, dentro da grande confusão. Para entrar foi um sarilho, por entre a multidão de pessoas, carroças, mobylettes, bicicletas. Estacionámos num largo à espera que o dono do hotel nos viesse buscar pois as motos não vão até lá. Levou-nos por ruas apertadinhas até um parque onde estacionámos as motos. Depois entrámos no labirinto, a pé com a bagagem às costas, cansados e suados, por ruelas e becos, pelo meio duma sinagoga, até ao Riad “Dar Ninbus”, uma casa apalaçada, linda.
Há uma pequena piscina (?) no pátio do Riad onde afogámos o calor do dia, acompanhados pelos pastelinhos de feijão que vieram de Portugal. Tempo para descansar, organizar coisas, escrever um pouco.
À noite fomos jantar à praça Jma-al-fna. Atravessámos a Medina toda para lá chegar. Quanto mais perto, mais gente nas ruas. As lojas ainda estão abertas, ainda se negoceia. Desembocámos na grande confusão, na praça principal de Marrakesh onde tudo acontece. Há vendedores, musica, animadores de rua, carroças onde se vende sumo de laranja, barracas de comida, turistas e locais. È o ponto de encontro da cidade. Na zona das tasquinhas de comida os empregados vêm ter connosco, cumprimentam, de mão esticada como se nos conhecessem, outros mostram-nos as ementas, chamam-nos para a mesa. É a grande festa. Sentámo-nos onde havia espaço para todos, olhámos para o menu e escolhemos um de cada. Vamos experimentar tudo. Brochetes (uma mini espetada marroquina), batatas fritas, calamares, salada, pão, beringela e pimentos grelhados, uma refeição que ficou a 10 euros por pessoa. Espremidos numa mesa encaixada na confusão, ao fundo o ruído de tambores misturava-se com o ruído de uma multidão a conversar e a passear, vivemos a noite de Marrakesh. Ao nosso lado, uma banca de fast-food marroquina estava à pinha. Sandes de ovo e batata cozida, acompanhada por chá, fazia as delícias de muitos jovens.
Já tarde, fomos de volta para o Riad, atravessámos de novo a Medina toda. Agora as lojas já fecharam, as ruas estão desertas, portas fechadas e cadeados, os turistas desapareceram, nas ruas sobra o lixo e os pedintes.
No meio daquele labirinto de ruas, para chegar ao Riad, tivemos de pedir ajuda ao GPS, no qual o Azevedo tinha gravado o track a caminho da praça. Bendita tecnologia.
Amanhã é que começa o verdadeiro percurso, amanhã parto para o desconhecido.
1 Junho 2009 – 3º dia de Viagem
Percurso: 594 km
Moving time: 7 horas
Total time: 10 horas
A saída da Medina foi fantástica. A cidade estava viva, com gente, muita gente, mobylettes a passar vertiginosamente, bicicletas, todos na rua, todos no meio da estrada. Um calor abrasador. Meia dúzia de vielas tortuosas para chegar à avenida principal. Uma autêntica pista de carrinhos de choque. Não se pode parar nem temer nem sequer pensar nisso. Os marroquinos conduzem como se estivessem sozinhos no mundo. Atiram-se, rasam por nós. O truque é não parar. Não ver quem está por perto pois eles jogam no bluff. Apitar muito, seguir em frente. Quem tem a moto maior passa.
Rumo ao sul, estrada fora numa paisagem vermelha, quente e asfixiante. As aldeias sucedem-se, muitas camionetas carregadinhas até ao segundo andar, carroças, miúdos à beira da estrada acenam às motos. Em direcção às montanhas, rumo a Agadir, vamos cruzar o anti-atlas. Umas horas depois, o maciço que se via ao fundo aparece em toda a sua grandeza. Mas a estrada é boa, larga, permite uma velocidade razoável, à excepção de alguns troços em obras, perto dos trabalhos de construção da nova auto-estrada que virá de Marrakech até Agadir.
Conseguimos chegar cerca das duas da tarde e fomos à procura do peixe assado que nos tinham falado. Nos arredores da Agadir, na direcção do aeroporto, uma pequena vila, com uma avenida central cheia pequenos restaurantes com esplanadas e mesas no meio dos jardins. Parámos as motos junto a um jardim e tentámos o primeiro restaurante que já não tinha peixe. Do outro lado da rua, numa tasquinha marroquina, povoada com locais e um assador à porta ainda havia comida. Peixe grelhado para todos. E o homem foi a correr comprar o peixe que grelhou e temperou com uma mistura de ervas e açafrão. Servido em pequenos pratos, comemos com as mãos como os marroquinos. Pedimos fruta e lá foi o homem, à mercearia do lado, comprar fruta. Acabámos o almoço com um chá, servido com requintes de turista. Pagámos 2 euros cada um.
Depois de Guelmin, já na planície, começaram as rectas. Rectas intermináveis, monótonas. A paisagem mudou, o vermelho desapareceu, a vegetação começa a escassear, o amarelo faz adivinhar que o deserto se aproxima. Começámos a ver os controlos de polícia, à entrada das vilas e aldeias. Têm umas lagartas com picos no meio da estrada, mandam parar e mandam seguir. Tivemos sorte, só fomos controlados à entrada de Tan Tan, já ao entardecer. Levávamos connosco umas fotocópias do passaporte e uma folha com os nossos dados, nome, nacionalidade, filiação, nº do passaporte e destino. As “fiches” facilitam o controlo e demora menos tempo. A polícia verifica o passaporte e manda-nos seguir.
Chegados a Tan Tan Plage, uma pensão pequena e simples, como tudo nesta parte de Marrocos, mais pobre e deserta. Não há muito por onde escolher, a alternativa são parques de campismo, parques que se resumem a um terreiro com um muro à volta. Depois de um jantar arrastado, estou exausta. Dói-me os joelhos, os braços, dói-me tudo. Amanhã vamos até Dakla.
Percurso: 594 km
Moving time: 7 horas
Total time: 10 horas
A saída da Medina foi fantástica. A cidade estava viva, com gente, muita gente, mobylettes a passar vertiginosamente, bicicletas, todos na rua, todos no meio da estrada. Um calor abrasador. Meia dúzia de vielas tortuosas para chegar à avenida principal. Uma autêntica pista de carrinhos de choque. Não se pode parar nem temer nem sequer pensar nisso. Os marroquinos conduzem como se estivessem sozinhos no mundo. Atiram-se, rasam por nós. O truque é não parar. Não ver quem está por perto pois eles jogam no bluff. Apitar muito, seguir em frente. Quem tem a moto maior passa.
Rumo ao sul, estrada fora numa paisagem vermelha, quente e asfixiante. As aldeias sucedem-se, muitas camionetas carregadinhas até ao segundo andar, carroças, miúdos à beira da estrada acenam às motos. Em direcção às montanhas, rumo a Agadir, vamos cruzar o anti-atlas. Umas horas depois, o maciço que se via ao fundo aparece em toda a sua grandeza. Mas a estrada é boa, larga, permite uma velocidade razoável, à excepção de alguns troços em obras, perto dos trabalhos de construção da nova auto-estrada que virá de Marrakech até Agadir.
Conseguimos chegar cerca das duas da tarde e fomos à procura do peixe assado que nos tinham falado. Nos arredores da Agadir, na direcção do aeroporto, uma pequena vila, com uma avenida central cheia pequenos restaurantes com esplanadas e mesas no meio dos jardins. Parámos as motos junto a um jardim e tentámos o primeiro restaurante que já não tinha peixe. Do outro lado da rua, numa tasquinha marroquina, povoada com locais e um assador à porta ainda havia comida. Peixe grelhado para todos. E o homem foi a correr comprar o peixe que grelhou e temperou com uma mistura de ervas e açafrão. Servido em pequenos pratos, comemos com as mãos como os marroquinos. Pedimos fruta e lá foi o homem, à mercearia do lado, comprar fruta. Acabámos o almoço com um chá, servido com requintes de turista. Pagámos 2 euros cada um.
Estrada de novo, continuámos para Sul em direcção a Tiznit, atravessamos mais uma montanha, estrada pequena, tortuosa e inclinada. Descidas perigosas, subidas íngremes. Os camiões faziam fila, uns atrás dos outros, andavam devagar, muito devagar, a 20 km/h para cima e a 20 km/h para baixo, todos juntinhos, pareciam uma minhoca gigante a serpentear pela montanha, lentamente, por curvas apertadas, sem visibilidade que nos fizeram gastar umas horas para fazer uns poucos quilómetros.
Depois de Guelmin, já na planície, começaram as rectas. Rectas intermináveis, monótonas. A paisagem mudou, o vermelho desapareceu, a vegetação começa a escassear, o amarelo faz adivinhar que o deserto se aproxima. Começámos a ver os controlos de polícia, à entrada das vilas e aldeias. Têm umas lagartas com picos no meio da estrada, mandam parar e mandam seguir. Tivemos sorte, só fomos controlados à entrada de Tan Tan, já ao entardecer. Levávamos connosco umas fotocópias do passaporte e uma folha com os nossos dados, nome, nacionalidade, filiação, nº do passaporte e destino. As “fiches” facilitam o controlo e demora menos tempo. A polícia verifica o passaporte e manda-nos seguir.
Chegados a Tan Tan Plage, uma pensão pequena e simples, como tudo nesta parte de Marrocos, mais pobre e deserta. Não há muito por onde escolher, a alternativa são parques de campismo, parques que se resumem a um terreiro com um muro à volta. Depois de um jantar arrastado, estou exausta. Dói-me os joelhos, os braços, dói-me tudo. Amanhã vamos até Dakla.
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2 de Junho 2009 - 4º dia de viagem
Percurso: 815 km
Moving time: 7:48h
Total time:12 horas
Madrugada. Às seis da manhã preparamos as motos e vamos para a estrada. O dia hoje é duro, temos um longo caminho até Dakla, no Sahaara Ocidental. Pela estrada Atlântica, o frio e a neblina acompanharam-nos nas primeiras horas, mas o amanhecer sob o mar é único. A estrada é boa mas estreita, tem pouco movimento. Só nós, o deserto à esquerda e o mar à direita. E a neblina que teima em colar-se à viseira. Os quilómetros foram-se sucedendo, uns atrás dos outros, estrada sem fim, rectas sem fim, o mundo é plano, amarelo e azul.
Vamos com atenção aos postos de abastecimento, temos de por gasolina todos os 150 km pois pode acontecer algumas bombas estarem secas. Mas é a única coisa que se passa nesta etapa, para além de mais controlos policiais. De resto não há nada. Deserto de pedra e mais deserto de pedra. O objectivo é ir almoçar ao Bojador, cerca de 550 kms.
A entrada de Bojador é fantástica. Uma enorme avenida, estilo ocidental faz lembrar a modernidade, atravessa a vila toda, tem bares, restaurantes e lojas, mas por detrás, o mesmo Marrocos de sempre, típico e especial na forma como como constroem as casas, como vivem, uma cultura diferente, não sei se pobre se rica pelos padrões ocidentais, mas muito peculiar.
São cerca das 2h da tarde e temos mais um controlo policial. Paragem para a vistoria e combinar o local do almoço. Uma esplanada na praça principal, batida pelo sol que finalmente nos aqueceu os ossos depois da maresia húmida, fria e pegajosa. Um prato típico – hamburger de camelo, acompanhado de ovo estrelado e salada (aqui até havia garfos).
Houve uma coisa que me impressionou muito – a quantidade de lixo que existe à beira da estrada. Lixo que as pessoas atiram dos carros, lixo que vem arrastado pelo vento que vem do mar, que vem de todo o lado e trás o lixo com ele. Há zonas que são um monte de lixo. Estranho para uma região tão deserta e para um deserto tão fantástico, árido, pedra, solitário.
O fim da viagem foi complicado, especialmente os últimos 200 km. O sono assaltou-me violentamente e tive de parar várias vezes para sentir o fresco na cara. Só acordei mesmo quando cheguei a Dakla, uma península encravada no Atlântico, 30 kms de paraíso de praias, mar aberto no deserto.
Percurso: 815 km
Moving time: 7:48h
Total time:12 horas
Madrugada. Às seis da manhã preparamos as motos e vamos para a estrada. O dia hoje é duro, temos um longo caminho até Dakla, no Sahaara Ocidental. Pela estrada Atlântica, o frio e a neblina acompanharam-nos nas primeiras horas, mas o amanhecer sob o mar é único. A estrada é boa mas estreita, tem pouco movimento. Só nós, o deserto à esquerda e o mar à direita. E a neblina que teima em colar-se à viseira. Os quilómetros foram-se sucedendo, uns atrás dos outros, estrada sem fim, rectas sem fim, o mundo é plano, amarelo e azul.
Vamos com atenção aos postos de abastecimento, temos de por gasolina todos os 150 km pois pode acontecer algumas bombas estarem secas. Mas é a única coisa que se passa nesta etapa, para além de mais controlos policiais. De resto não há nada. Deserto de pedra e mais deserto de pedra. O objectivo é ir almoçar ao Bojador, cerca de 550 kms.
A entrada de Bojador é fantástica. Uma enorme avenida, estilo ocidental faz lembrar a modernidade, atravessa a vila toda, tem bares, restaurantes e lojas, mas por detrás, o mesmo Marrocos de sempre, típico e especial na forma como como constroem as casas, como vivem, uma cultura diferente, não sei se pobre se rica pelos padrões ocidentais, mas muito peculiar.
Rapidamente devorámos o camelo e estrada de novo. Ainda faltam 350 km ata Dakla. Mais 4 horas de rectas infindáveis, monótonas, a puxar o sono. De vez em quando cruzávamos com bandos de camelos à beira da estrada, os poucos seres vivos que encontramos para além dos controlos policiais. Esses são permanentes. E postos de abastecimento secos, também. Só encontramos gasolina nas cidades principais, o que vale é que o preço desceu abruptamente para cerca de 70 cêntimos. Fixe.
Houve uma coisa que me impressionou muito – a quantidade de lixo que existe à beira da estrada. Lixo que as pessoas atiram dos carros, lixo que vem arrastado pelo vento que vem do mar, que vem de todo o lado e trás o lixo com ele. Há zonas que são um monte de lixo. Estranho para uma região tão deserta e para um deserto tão fantástico, árido, pedra, solitário.
O fim da viagem foi complicado, especialmente os últimos 200 km. O sono assaltou-me violentamente e tive de parar várias vezes para sentir o fresco na cara. Só acordei mesmo quando cheguei a Dakla, uma península encravada no Atlântico, 30 kms de paraíso de praias, mar aberto no deserto.
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3 de Junho 2009 - 5º dia de viagem
Percurso: 428 km
Moving time: 4,30h
Total time: 7 horas
Fui ao chão. Embrulhei-me num troço de areia, o guiador dançou, a traseira atascou e fui ao chão. Cai da moto na terra de ninguém, entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia, um campo minado entre as fronteiras dos dois países que se passa por uns trilhos no meio das minas, abertos ao longo do tempo e das passagens. Um bocado de terra, sem rei nem governo, perdido no meio do nada, seis kms de inferno de pedra e areia, povoado por vendedores e contrabandistas e profissionais do expediente que nos querem levar pelo melhor trilho até à fronteira mauritana, arranjam hotel, pedem dinheiro e cadeaux e perseguem os turistas incautos. Logo havia de cair ali. Nem posso dizer em que país cai, numa viagem por oito países fui logo cair na terra de ninguém.
Não me magoei, os meus companheiros de viagem estavam lá para me ajudar, também parou logo uma carrinha pick up de onde saiu o Ahmed que também vinha ajudar a levantar a moto. Não pegou à primeira nem à segunda. Naqueles poucos minutos de paragem fomos rodeados por gente a pedir, a sorrir, a falar numa linguagem estranha. Lá seguimos devagar, por aquela passagem que foi moldada por vários rodados de veículos. Estava aterrada, acho que naqueles 6 quilómetros transpirei 5 litros de água. Cheguei à fronteira mauritana completamente encharcada em suor. Ainda estou a tremer. O Ahmed foi também pela nossa pista e ia na conversa com o Azevedo. Na entrada da Mauritânia ofereceu os seus serviços. Tratava de todas as formalidades na fronteira, cinco euros por pessoa.
Demos os passaportes e os documentos das motos e lá foi o Ahmed falar com os funcionários da fronteira. Esperámos pouco tempo e passámos para o controlo policial. O Ahmed não largava os polícias, não largava os passaportes de vista, enxotou os outros Ahmeds todos que vêm ajudar os turistas, pedir dinheiro e enganar. Nem uma hora estivemos na fronteira à conta deste homem, com ar de boa pessoa. Veio à nossa frente até Nouadhibou, tratou com os três postos policiais até cá, nem parámos. Grande Ahmed.
O dia hoje começou mais tarde. Depois da maratona de ontem, foi-nos permitido dormir até às oito da manhã. Saímos nas calmas, pela estrada da península de Dakla, por aquela paisagem fantástica com a luz da manhã.
Continuámos pela estrada atlântica, em direcção à fronteira, uma temperatura agradável, nem frio nem calor, ideal para circular. Cerca de 400 kms de rectas sem fim. Este troço da estrada segue sempre junto à costa, pela falésia e pelo meio das dunas, juntinho à praia. Por vezes a estrada é invadida pela areia, soprada pelo vento e as bermas desaparecem, temos de circular pela faixa contrária para evitar as dunas da estrada. O vento hoje está mais forte, as motos andam de lado, levantam um rasto de areia branca, uma camada que cobre a estrada em alguns troços mais dentro das dunas.
A cerca de 98 km de Dakla passamos num ponto geográfico importante – a linha do Trópico de Cancer, paralelo marcado por um monte de pedras perdido na estrada e que encontrámos porque tínhamos as coordenadas gravadas no GPS.
Almoçámos no Barbas, o último posto de abastecimento antes da fronteira e um local famoso, conhecido por todos os Viajantes “Outlanders”. Uma omeleta rápida e um café que nos custou três euros. Estávamos com receito do tempo de espera na fronteira, o Azevedo preveniu que esperava gastar duas horas em cada fronteira e provavelmente chegaríamos já de noite ao destino, isto se tudo corresse bem. Caso houvesse algum problema teríamos de dormir na fronteira, acampados pois ele não queria circular muito tarde na noite pois é perigoso.
Os cerca de 80 kms até à fronteira foram devorados muito depressa. Estamos a aproximar-nos de uma zona de conflito, vêem-se acampamentos militares e campos de minas.
Havia muito pouco movimento na estrada, adivinhava-se pouca gente na fronteira. De facto, estavam lá meia dúzia de locais e três camiões. Esperámos apenas uma hora que os funcionários da alfândega olhassem para os passaportes. Nada está informatizado, é tudo arcaico. Um funcionário tem uma gaveta enorme cheia de cartões, tipo arquivo dos nossos avós e vai vendo se tem alguma ficha com o nosso nome. Após esta formalidade, vamos à polícia certificar as viaturas e carimbar o documento de entrada em Marrocos (papel precioso pois se o perdemos não podemos sair por qualquer fronteira, temos de sair pela mesma onde entrámos). Depois, bem depois foi a aventura da terra de ninguém.
Chegados ao Hotel, um dos poucos decentes nesta cidade, fomos recebidos pelo porteiro que mais parecia o Mike Tyson, grande, aprumadinho e até tinha um cartão de identificação pendurado na lapela. O Hotel é na numa das avenidas principais de Nouadhibou, rua movimentada que hoje estava cheia com caravanas de adeptos de um qualquer partido concorrente às eleições que vão ser no próximo fim-de-semana.
Os quartos eram bons, tinham casa de banho privativa, com chuveiro e até o pormenor de ter uns chinelos à porta da dita. Depois de um duche rápido, num chuveiro intermitente que me fez desistir de lavar o cabelo, fomos jantar um peixinho grelhado e aterrámos na cama.
Percurso: 428 km
Moving time: 4,30h
Total time: 7 horas
Fui ao chão. Embrulhei-me num troço de areia, o guiador dançou, a traseira atascou e fui ao chão. Cai da moto na terra de ninguém, entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia, um campo minado entre as fronteiras dos dois países que se passa por uns trilhos no meio das minas, abertos ao longo do tempo e das passagens. Um bocado de terra, sem rei nem governo, perdido no meio do nada, seis kms de inferno de pedra e areia, povoado por vendedores e contrabandistas e profissionais do expediente que nos querem levar pelo melhor trilho até à fronteira mauritana, arranjam hotel, pedem dinheiro e cadeaux e perseguem os turistas incautos. Logo havia de cair ali. Nem posso dizer em que país cai, numa viagem por oito países fui logo cair na terra de ninguém.
Não me magoei, os meus companheiros de viagem estavam lá para me ajudar, também parou logo uma carrinha pick up de onde saiu o Ahmed que também vinha ajudar a levantar a moto. Não pegou à primeira nem à segunda. Naqueles poucos minutos de paragem fomos rodeados por gente a pedir, a sorrir, a falar numa linguagem estranha. Lá seguimos devagar, por aquela passagem que foi moldada por vários rodados de veículos. Estava aterrada, acho que naqueles 6 quilómetros transpirei 5 litros de água. Cheguei à fronteira mauritana completamente encharcada em suor. Ainda estou a tremer. O Ahmed foi também pela nossa pista e ia na conversa com o Azevedo. Na entrada da Mauritânia ofereceu os seus serviços. Tratava de todas as formalidades na fronteira, cinco euros por pessoa.
Demos os passaportes e os documentos das motos e lá foi o Ahmed falar com os funcionários da fronteira. Esperámos pouco tempo e passámos para o controlo policial. O Ahmed não largava os polícias, não largava os passaportes de vista, enxotou os outros Ahmeds todos que vêm ajudar os turistas, pedir dinheiro e enganar. Nem uma hora estivemos na fronteira à conta deste homem, com ar de boa pessoa. Veio à nossa frente até Nouadhibou, tratou com os três postos policiais até cá, nem parámos. Grande Ahmed.
O dia hoje começou mais tarde. Depois da maratona de ontem, foi-nos permitido dormir até às oito da manhã. Saímos nas calmas, pela estrada da península de Dakla, por aquela paisagem fantástica com a luz da manhã.
Continuámos pela estrada atlântica, em direcção à fronteira, uma temperatura agradável, nem frio nem calor, ideal para circular. Cerca de 400 kms de rectas sem fim. Este troço da estrada segue sempre junto à costa, pela falésia e pelo meio das dunas, juntinho à praia. Por vezes a estrada é invadida pela areia, soprada pelo vento e as bermas desaparecem, temos de circular pela faixa contrária para evitar as dunas da estrada. O vento hoje está mais forte, as motos andam de lado, levantam um rasto de areia branca, uma camada que cobre a estrada em alguns troços mais dentro das dunas.
A cerca de 98 km de Dakla passamos num ponto geográfico importante – a linha do Trópico de Cancer, paralelo marcado por um monte de pedras perdido na estrada e que encontrámos porque tínhamos as coordenadas gravadas no GPS.
Almoçámos no Barbas, o último posto de abastecimento antes da fronteira e um local famoso, conhecido por todos os Viajantes “Outlanders”. Uma omeleta rápida e um café que nos custou três euros. Estávamos com receito do tempo de espera na fronteira, o Azevedo preveniu que esperava gastar duas horas em cada fronteira e provavelmente chegaríamos já de noite ao destino, isto se tudo corresse bem. Caso houvesse algum problema teríamos de dormir na fronteira, acampados pois ele não queria circular muito tarde na noite pois é perigoso.
Os cerca de 80 kms até à fronteira foram devorados muito depressa. Estamos a aproximar-nos de uma zona de conflito, vêem-se acampamentos militares e campos de minas.
Havia muito pouco movimento na estrada, adivinhava-se pouca gente na fronteira. De facto, estavam lá meia dúzia de locais e três camiões. Esperámos apenas uma hora que os funcionários da alfândega olhassem para os passaportes. Nada está informatizado, é tudo arcaico. Um funcionário tem uma gaveta enorme cheia de cartões, tipo arquivo dos nossos avós e vai vendo se tem alguma ficha com o nosso nome. Após esta formalidade, vamos à polícia certificar as viaturas e carimbar o documento de entrada em Marrocos (papel precioso pois se o perdemos não podemos sair por qualquer fronteira, temos de sair pela mesma onde entrámos). Depois, bem depois foi a aventura da terra de ninguém.
Chegados ao Hotel, um dos poucos decentes nesta cidade, fomos recebidos pelo porteiro que mais parecia o Mike Tyson, grande, aprumadinho e até tinha um cartão de identificação pendurado na lapela. O Hotel é na numa das avenidas principais de Nouadhibou, rua movimentada que hoje estava cheia com caravanas de adeptos de um qualquer partido concorrente às eleições que vão ser no próximo fim-de-semana.
Os quartos eram bons, tinham casa de banho privativa, com chuveiro e até o pormenor de ter uns chinelos à porta da dita. Depois de um duche rápido, num chuveiro intermitente que me fez desistir de lavar o cabelo, fomos jantar um peixinho grelhado e aterrámos na cama.
4 de Junho 2009 – 6º dia de Viagem
Percurso: 511 km
Moving time: 6:10h
Total time:7 horas
Temperatura - 40 graus
Saímos de manhã cedo para passear até Cap Blanc, o farol do porto da cidade que é controlado por militares, com um museu sobre as focas-monge, espécie em extinção. Uma das poucas colónias ainda existentes costuma habitar nas praias junto ao farol e para lá fomos por uma pista de terra e pedra e areia com vinte quilómetros. Claro que cai de novo. A já conhecida dança do guiador aconteceu de novo e tumba, chão outra vez.
Afinal as focas só estão na praia de manhã cedo, pela fresquinha, quando chegámos já só vimos a falésia, o mar imenso e uma carcaça de barco encalhada na praia. Partimos para Sul, já perto da uma da tarde. Fizemos de novo os 40 km até ao cruzamento da estrada principal que nos vai levar a Nouakchott. Hoje o vento sopra forte, as motos andam de lado. Vamos sempre junto à linha de comboio, o maior comboio do mundo que trás o minério do interior até ao porto. Entrámos para o interior e uns km à frente paragem para uma refeição ligeira. Levamos mantimentos pois nesta região não há nada onde comer, não há sombras, só areia. Após meia hora ao sol, partimos. O próximo ponto de encontro era a 250 km, a meio caminho e o único posto de abastecimento entre as duas cidades. O vento continuou de lado por muito tempo até que a estrada mudou de direcção e começámos a apanhar com o vento pelas costas. Melhor, era mais fácil.
A camada superficial do deserto move-se ao ritmo do vento. Uma película fina de areia está em movimento permanente, invade a estrada, faz ondas contínuas, parecem milhares de cobras a serpentear no asfalto, empurradas pelo vento, atravessam a estrada.
O calor é sufocante, tudo arde, escalda, a paisagem é amarela mas a visão é vermelha de inferno. Não há nada, apenas areia, uns tufos de vegetação seca, ao longe algumas árvores ressequidas que teimam em resistir. A estrada é uma linha preta, fininha, a direito que acaba no infinito. Abrir a viseira é perigoso, o ar abrasador entra furiosamente e queima a pele.
A linha do horizonte é um espelho, um lago branco e brilhante, com árvores e construções. Apetece andar até lá, talvez haja gente, fresco, paz naquele inferno. Mas não é real, à medida que avanço tudo aquilo se desfaz e avança para mais longe, só fica a areia infindável. Só pensava nas famosas miragens, a ilusão de óptica do deserto. Não sei se todas as pessoas vêem as mesmas coisas, será que o deserto nos mostra os desejos? Se sim, o que queremos está longe, inalcançável. E só resta a estrada que não acaba, um caminho difícil, quente e solitário.
A 80 km de Nouakchott as minhas forças esgotaram. Ainda andei 30 km a lutar contra a tontura, abria a viseira, comia areia, fechava, levantava-me e sentava-me na moto. A tontura continuou. Estava com medo de parar ali, no meio do nada, areia e vento.
Finalmente vi ao fundo um posto de polícia, parei, desliguei a moto e cai no chão. Baixei a cabeça a ver se não desmaiava ali no nada, com três polícias de turbante a olhar para mim espantados. Logo a seguir apareceu o Ricardo Azevedo e disse-lhe que já não dava. Esgotei. Esperámos pelo Enrique que apareceu 5 minutos depois. Eles desmontaram os espelhos e o vidro para que a moto entrasse na carrinha Estava nas últimas, completamente alagada em suor, debaixo dos 40 graus, um sol implacável e a areia a invadir tudo. Em meia hora bebi 1,5 litros de água. Entrei na carrinha meia tonta e vim até Nouakchott quase adormecida.
5 de Junho 2009 – 7º dia de ViagemPercurso: 511 km
Moving time: 6:10h
Total time:7 horas
Temperatura - 40 graus
Saímos de manhã cedo para passear até Cap Blanc, o farol do porto da cidade que é controlado por militares, com um museu sobre as focas-monge, espécie em extinção. Uma das poucas colónias ainda existentes costuma habitar nas praias junto ao farol e para lá fomos por uma pista de terra e pedra e areia com vinte quilómetros. Claro que cai de novo. A já conhecida dança do guiador aconteceu de novo e tumba, chão outra vez.
Afinal as focas só estão na praia de manhã cedo, pela fresquinha, quando chegámos já só vimos a falésia, o mar imenso e uma carcaça de barco encalhada na praia. Partimos para Sul, já perto da uma da tarde. Fizemos de novo os 40 km até ao cruzamento da estrada principal que nos vai levar a Nouakchott. Hoje o vento sopra forte, as motos andam de lado. Vamos sempre junto à linha de comboio, o maior comboio do mundo que trás o minério do interior até ao porto. Entrámos para o interior e uns km à frente paragem para uma refeição ligeira. Levamos mantimentos pois nesta região não há nada onde comer, não há sombras, só areia. Após meia hora ao sol, partimos. O próximo ponto de encontro era a 250 km, a meio caminho e o único posto de abastecimento entre as duas cidades. O vento continuou de lado por muito tempo até que a estrada mudou de direcção e começámos a apanhar com o vento pelas costas. Melhor, era mais fácil.
A camada superficial do deserto move-se ao ritmo do vento. Uma película fina de areia está em movimento permanente, invade a estrada, faz ondas contínuas, parecem milhares de cobras a serpentear no asfalto, empurradas pelo vento, atravessam a estrada.
O calor é sufocante, tudo arde, escalda, a paisagem é amarela mas a visão é vermelha de inferno. Não há nada, apenas areia, uns tufos de vegetação seca, ao longe algumas árvores ressequidas que teimam em resistir. A estrada é uma linha preta, fininha, a direito que acaba no infinito. Abrir a viseira é perigoso, o ar abrasador entra furiosamente e queima a pele.
A linha do horizonte é um espelho, um lago branco e brilhante, com árvores e construções. Apetece andar até lá, talvez haja gente, fresco, paz naquele inferno. Mas não é real, à medida que avanço tudo aquilo se desfaz e avança para mais longe, só fica a areia infindável. Só pensava nas famosas miragens, a ilusão de óptica do deserto. Não sei se todas as pessoas vêem as mesmas coisas, será que o deserto nos mostra os desejos? Se sim, o que queremos está longe, inalcançável. E só resta a estrada que não acaba, um caminho difícil, quente e solitário.
A 80 km de Nouakchott as minhas forças esgotaram. Ainda andei 30 km a lutar contra a tontura, abria a viseira, comia areia, fechava, levantava-me e sentava-me na moto. A tontura continuou. Estava com medo de parar ali, no meio do nada, areia e vento.
Finalmente vi ao fundo um posto de polícia, parei, desliguei a moto e cai no chão. Baixei a cabeça a ver se não desmaiava ali no nada, com três polícias de turbante a olhar para mim espantados. Logo a seguir apareceu o Ricardo Azevedo e disse-lhe que já não dava. Esgotei. Esperámos pelo Enrique que apareceu 5 minutos depois. Eles desmontaram os espelhos e o vidro para que a moto entrasse na carrinha Estava nas últimas, completamente alagada em suor, debaixo dos 40 graus, um sol implacável e a areia a invadir tudo. Em meia hora bebi 1,5 litros de água. Entrei na carrinha meia tonta e vim até Nouakchott quase adormecida.
Dia de descanso
Moeda: Ouguiya (1/350)
À entrada de Nouakchott passa-se por dois controlos policiais que nos pediram as “fiches”, talvez por estarmos em época de eleições eles sejam mais rigorosos. Um dos polícias pediu se tínhamos “calmant” e apontava para a cabeça. Dei-lhe duas pastilhas de paracetamol e o homem ficou todo contente e já não revistou a carrinha.
Nouakchott é uma cidade recente, com cerca de 40 anos, por onde se chegava por uma pista difícil e que progrediu com a construção da estrada asfaltada. Vêem-se acampamentos nómadas à entrada da cidade e vendas de leite de camelo. Toda a cidade é multicolorida, desde as construções aos trajes das pessoas. Há movimento de carros, uns a cair de podres, outros modernos e também carroças de burritos. As construções são térreas, algumas com terraços e todas com aspecto inacabado.
Hoje foi dia de descanso. Ontem ao jantar, na reunião diária de planeamento e briefing ainda ponderámos continuar até St Louis e parar lá mas decidimos que já era tempo de descansar, ver o estado das motos e dormir. Estamos no Albergue Sahara, um dos locais de encontro de viajantes, propriedade de um casal, a Isabel uma portuguesa casada com um francês e que se apaixonou pelo deserto e ficou por aqui. De uma simpatia contagiante estivemos horas à conversa a ouvi-la contar histórias e experiências do deserto e dos costumes do país. Disponibilizou-se para nos acompanhar numa visita à cidade.
De manhã foi um luxo, só acordámos às 9 horas. O mesmo pequeno-almoço se sempre (o costume por estas bandas que é pão, doce ou manteiga e café) e fomos à procura de táxi. Em Nouakchott não se vêem muitos táxis identificados mas todos os carros são táxis, ou seja, se um carro se aproximar e apitar, é táxi. O preço tem de ser negociado e aqueles custaram-nos 300 ouguiyas (menos de 1€) cada para nos levarem ao mercado “capital”, um mercado típico e fascinante. A viagem até lá foi surreal. As ruas da cidade são largas, só as principais estão asfaltadas e não há passeios nem tão pouco passadeiras. Todos conduzem rapidamente e por todas as vias disponíveis, se está o semáforo vermelho e houver espaço, passa-se por detrás dele, se estiver fila de trânsito, vai-se pela berma, se houver lombas na estrada vai-se pela berma, se a fila de trânsito também incluir a berma, vai-se pelo separador central. Fácil e vertiginoso. Os carros são de todas as idades, desde as grandes máquinas recentes, com preferência para os Mercedes, até aos mais velhos e descascados. Mas todos andam esmurrados dos lados, da frente e por trás, cheios de ferrugem, alguns são mesmo autênticas carcaças andantes.
Nestes países as pessoas não gostam de ser fotografadas e os poucos que o consentem pedem dinheiro. Na Mauritânia é mesmo proibido andar por andar por estes locais a tirar fotos, só com uma licença. Eu não queria perder aquelas imagens, então andava com a máquina escondida na mão, de braço descaído a tirar fotos sorrateiramente. As primeiras saíram bem tortas mas depois consegui corrigir a posição do braço.
O mercado é incrivelmente colorido, vende-se de tudo desde cartões de telefone, artigos importados e produtos de artesanato. Estivemos por lá toda a manhã a deambular pelas bancas. Aqui a negociação é difícil, muito diferente de Marrocos.
De tarde estivemos pelo Albergue, a dormir, a arrumar a carrinha, a ver as motos. Ao entardecer fomos até ao porto de pesca. Apareceu o primeiro táxi, negociamos o preço e ficamos à espera que aparecesse outro táxi. Como demorava decidimos entrar todos naquele e partimos rumo ao porto, o condutor a rir e nós ensardinhados íamos a registar fotograficamente a situação, conforme podíamos pois o espaço era pouco, a única forma de ficarmos todos na fotografia era tentar um ângulo de fora da janela.
O porto de pesca é surreal, situado em cima da praia, o peixe sai dos barcos direito às bancas da praça ou às carretas dos vendedores ambulantes. Aquela hora ainda há muita gente, ainda se negoceia e ainda chegam barcos de pesca, compridos, feitos de madeira com desenhos coloridos que são tirados do mar à força de braços e ficam na praia todos alinhados.
Passeamos pela praia, deambulamos por entre as bancas a observar o trabalho de amanhar o peixe, alguns deles tão grandes que ocupavam várias bancas. Como de costume, lá ia eu a tirar fotografias sorrateiramente.
À saída do porto há várias lojas e procuramos um triângulo para a carrinha pois a Isabel avisou-nos que no Senegal é obrigatório ter dois. Sem sucesso caminhámos para a estrada à procura de um táxi e logo que cruzámos o portão veio um homem oferecer um táxi. Perguntámos o preço e ele fazia 1.000 ouguiyas para todos. Recusámos, era muito caro, tínhamos pago 300 à vinda. Ele não desistiu e veio atrás de nós. Mais uma negociata e fez o preço de 400. Lá nos encavalitamos de novo dentro do táxi e rumo ao albergue. Pelo caminho, em conversa, soubemos que era senegalês, falámos sobre o Senegal e o Azevedo decidiu perguntar se ele sabia onde comprar um triângulo. Era do outro lado da cidade a única loja que estaria aberta. Iniciou-se então outra negociação de preço para nos levar até lá e conversa puxa conversa, acabámos a comprar o triângulo do táxi, a preço reduzido pois era tão velho e esmurrado quanto o carro. Já à porta do albergue perguntámos se ele nos vinha buscar para nos levar a jantar. E pronto, transfer tratado, lá fizemos mais um amigo que à hora combinada estava à nossa espera.
Jantámos num restaurante ao lado de um drive-in africano, uma casa de sandes e hamburgers onde os carros paravam à porta, apitavam e saíam os empregados a correr apontar o pedido. Amanhã entramos no Senegal, temos apenas 300 km para fazer mas uma fronteira que é das mais difíceis da nossa Viagem.
6 de Junho 2009 – 8º dia de Viagem
Percurso: 384 km
Moving time: 5:17h
Total time: 10 horas
Temperatura média: 36 graus
Saímos cedo. Hoje temos apenas 300 km até à fronteira. Apenas. É engraçado como a noção da distância é tão relativa, normalmente 300 km é uma distância considerável, hoje parece pequena.
Ainda demorámos uns 20 km para sair da cidade e apanhar estrada limpa, uma estrada cada vez mais degradada, muitos buracos, asfalto estalado. A paisagem começa a largar a areia, pouco a pouco a vegetação aparece, rasteira, árvores pequenas, a terra passa a ser terra, estamos a entrar numa zona mais fértil. Há muita vida ao longo da estrada, encontram-se muitas aldeias, há mercados à beira da estrada, há camelos à beira da estrada que ao longo dos quilómetros vão rareando para aparecerem muitos cabritos e vacas brancas de longos chifres. A arquitectura muda, há cada vez menos tendas e mais casinhas quadradas de telhado bicudo, coloridas de azul e verde-água. Muitas crianças vêm a correr, acenar.
Os 200 km até Rosso foram feitos sem parar e cerca das 11 horas estávamos a abastecer em Rosso. Evitamos esta fronteira conhecida pela mais corrupta da África Ocidental, viramos à direita para uma pista de terra que nos leva até Diama, uma fronteira perdida e apenas utilizada por viajantes, onde é provável a passagem ser mais rápida e barata. A pista é difícil, uma velha estrada enterrada pela terra e pelo pó, buracos, chão ondulado, muito pó. A paisagem é soberba, há pequenos rios, zonas muito verdes e cultivadas, 120 km de pista que demorámos mais de 2 horas a fazer. Ao atravessar o Parc National de Diawling, parámos para almoçar, estilo pic-nic, debaixo de uma tenda ao abrigo do sol escaldante. O guarda do Parque fez-nos companhia, pacientemente, até acabarmos, para nos cobrar 1.000 ouguiyas pela passagem do parque. Dez quilómetros à frente a fronteira entre a Mauritânia e o Senegal e o fim da pista e do pó que entranhou e pintou tudo de castanho.
No posto da alfândega pagámos 10 euros pela saída dos veículos. De seguida o homem da polícia pediu-nos mais 10 € pelo carimbo de saída no passaporte e o Azevedo não quis pagar. Andámos por ali cerca de uma hora e então o Carlos foi negociar de novo e acabámos a pagar metade do preço. Lá saímos da Mauritânia, país onde se paga para entrar e se paga para sair.
Na ponte da barragem de Diama por entre os dois países há uma portagem, onde nos pediram mais 10€ para abrir a cancela. O guarda até era simpático e foi hilariante ver o Enrique a negociar em espanhol e o homem a responder em francês. Acabamos a pagar metade.
E cá estamos nós, no Senegal, uma fronteira complicada, um processo que até parece um circuito pelo centro comercial às compras de carimbos. Primeiro na polícia, o carimbo no passaporte, depois a alfândega para a entrada dos veículos e compra do Passe-Avant. O inspector da alfândega que tinha cara de comerciante, recolheu a documentação toda, inspeccionou a carrinha e até obrigou a abrir as 3 caixas de livros escolares que levamos para a organização ATLAS, organização não governamental de solidariedade que tem projectos na Guiné-Bissau.
Oh-lá-lá … 3 caixas …. é complicado, é complicado ….. aqui no Senegal tudo tem de ser controlado … dizia o inspector a preparar-se para subir o preço da entrada. E lá foi o Tour líder, instalou-se no gabinete da alfândega, ouvíamos conversa, risos e mais conversa e acabamos a pagar apenas o valor oficial – 20 euros (tivemos muita sorte pois os franceses que passaram lá antes de nós desembolsaram 100€ cada um). Mas ainda não acabou, ainda falta fazer o seguro obrigatório que nos custou mais 15 euros, vendido pela Madame Poutá e negociado, claro, pois o primeiro preço estava nos 25 euros. Resumindo e concluindo, em 300 metros desembolsámos 55 euros. Mas pelas histórias contadas por outros viajantes até foi barato ou o nosso Tour Leader não fosse um excelente diplomata que acaba sempre por negociar boas compras.
Ao fim da tarde, por uma pista de terra, chegamos ao alojamento, situado no meio do Parque Langue de Barbarie, o ZEBRA BAR, um parque de campismo com uns bungalows fantásticos, em cima da praia. Jantámos no terraço a ouvir os pássaros e a ver sombras de animais a passar por entre o parque. Eu não jantei, estava enjoada. Ainda aguentei duas horas de passeio pela cidade de St. Louis à noite, uma ilha encravada no rio Senegal, com casas coloniais um pouco degradadas, muita gente nas ruas. Sábado à noite é dia de festa.
As raparigas senegalesas são lindas, altas e esguias, têm longos cabelos, esticados, de preto brilhante, movem-se como gazelas. As mulheres são generosas, alegres e sorridentes, vestem roupas incrivelmente coloridas, berrantes, com grandes lenços na cabeça atados com laços artísticos. Ouve-se música em todo o lado.
7 Junho 2009 - 9º dia de ViagemPercurso: 384 km
Moving time: 5:17h
Total time: 10 horas
Temperatura média: 36 graus
Saímos cedo. Hoje temos apenas 300 km até à fronteira. Apenas. É engraçado como a noção da distância é tão relativa, normalmente 300 km é uma distância considerável, hoje parece pequena.
Ainda demorámos uns 20 km para sair da cidade e apanhar estrada limpa, uma estrada cada vez mais degradada, muitos buracos, asfalto estalado. A paisagem começa a largar a areia, pouco a pouco a vegetação aparece, rasteira, árvores pequenas, a terra passa a ser terra, estamos a entrar numa zona mais fértil. Há muita vida ao longo da estrada, encontram-se muitas aldeias, há mercados à beira da estrada, há camelos à beira da estrada que ao longo dos quilómetros vão rareando para aparecerem muitos cabritos e vacas brancas de longos chifres. A arquitectura muda, há cada vez menos tendas e mais casinhas quadradas de telhado bicudo, coloridas de azul e verde-água. Muitas crianças vêm a correr, acenar.
Os 200 km até Rosso foram feitos sem parar e cerca das 11 horas estávamos a abastecer em Rosso. Evitamos esta fronteira conhecida pela mais corrupta da África Ocidental, viramos à direita para uma pista de terra que nos leva até Diama, uma fronteira perdida e apenas utilizada por viajantes, onde é provável a passagem ser mais rápida e barata. A pista é difícil, uma velha estrada enterrada pela terra e pelo pó, buracos, chão ondulado, muito pó. A paisagem é soberba, há pequenos rios, zonas muito verdes e cultivadas, 120 km de pista que demorámos mais de 2 horas a fazer. Ao atravessar o Parc National de Diawling, parámos para almoçar, estilo pic-nic, debaixo de uma tenda ao abrigo do sol escaldante. O guarda do Parque fez-nos companhia, pacientemente, até acabarmos, para nos cobrar 1.000 ouguiyas pela passagem do parque. Dez quilómetros à frente a fronteira entre a Mauritânia e o Senegal e o fim da pista e do pó que entranhou e pintou tudo de castanho.
No posto da alfândega pagámos 10 euros pela saída dos veículos. De seguida o homem da polícia pediu-nos mais 10 € pelo carimbo de saída no passaporte e o Azevedo não quis pagar. Andámos por ali cerca de uma hora e então o Carlos foi negociar de novo e acabámos a pagar metade do preço. Lá saímos da Mauritânia, país onde se paga para entrar e se paga para sair.
Na ponte da barragem de Diama por entre os dois países há uma portagem, onde nos pediram mais 10€ para abrir a cancela. O guarda até era simpático e foi hilariante ver o Enrique a negociar em espanhol e o homem a responder em francês. Acabamos a pagar metade.
E cá estamos nós, no Senegal, uma fronteira complicada, um processo que até parece um circuito pelo centro comercial às compras de carimbos. Primeiro na polícia, o carimbo no passaporte, depois a alfândega para a entrada dos veículos e compra do Passe-Avant. O inspector da alfândega que tinha cara de comerciante, recolheu a documentação toda, inspeccionou a carrinha e até obrigou a abrir as 3 caixas de livros escolares que levamos para a organização ATLAS, organização não governamental de solidariedade que tem projectos na Guiné-Bissau.
Oh-lá-lá … 3 caixas …. é complicado, é complicado ….. aqui no Senegal tudo tem de ser controlado … dizia o inspector a preparar-se para subir o preço da entrada. E lá foi o Tour líder, instalou-se no gabinete da alfândega, ouvíamos conversa, risos e mais conversa e acabamos a pagar apenas o valor oficial – 20 euros (tivemos muita sorte pois os franceses que passaram lá antes de nós desembolsaram 100€ cada um). Mas ainda não acabou, ainda falta fazer o seguro obrigatório que nos custou mais 15 euros, vendido pela Madame Poutá e negociado, claro, pois o primeiro preço estava nos 25 euros. Resumindo e concluindo, em 300 metros desembolsámos 55 euros. Mas pelas histórias contadas por outros viajantes até foi barato ou o nosso Tour Leader não fosse um excelente diplomata que acaba sempre por negociar boas compras.
Ao fim da tarde, por uma pista de terra, chegamos ao alojamento, situado no meio do Parque Langue de Barbarie, o ZEBRA BAR, um parque de campismo com uns bungalows fantásticos, em cima da praia. Jantámos no terraço a ouvir os pássaros e a ver sombras de animais a passar por entre o parque. Eu não jantei, estava enjoada. Ainda aguentei duas horas de passeio pela cidade de St. Louis à noite, uma ilha encravada no rio Senegal, com casas coloniais um pouco degradadas, muita gente nas ruas. Sábado à noite é dia de festa.
As raparigas senegalesas são lindas, altas e esguias, têm longos cabelos, esticados, de preto brilhante, movem-se como gazelas. As mulheres são generosas, alegres e sorridentes, vestem roupas incrivelmente coloridas, berrantes, com grandes lenços na cabeça atados com laços artísticos. Ouve-se música em todo o lado.
Dia de descanso
Já tinha acontecido a quase todos, mais ou menos intensamente. Foi a minha vez. Ontem durante o dia andava a sentir-me mal e à noite deu-se o caos. Depois da visita nocturna à cidade, cheguei ao bungalow e corri para a casa de banho. Passei a noite toda a escaldar, a suar, a delirar, a correr para a casa de banho. De manhã estava de rastos.
Ao pequeno-almoço tive uma excelente notícia - o Grupo estava a decidir ficar por aqui. O local é fabuloso, acolhedor, praia a 1 metro, calor. Vamos descansar. Não comi nada. Tomei um chá e voltei para o quarto. Vegetei a manhã toda. Ao almoço qualquer cheiro me enjoava. Bebi outro chá, dei uma dentada numa torrada, tomei os comprimidos que o Dr. TBernardo mandou. Segui à risca as instruções que me tinha dado para estes casos. Voltei para a cama e dormi a tarde toda. Acordei ao fim da tarde. A diarreia tinha acalmado.
Ainda debilitada decidi ir dar uma volta. Afinal estava num sítio paradisíaco e nem tinha visto nada. O Zebra Bar é um local de paragem para viajantes, propriedade de um suíço que montou um acampamento ecológico, onde tudo funciona com painéis solares. É colorido, limpo, cheio de vegetação, em cima da praia, condições fabulosas.
Ao jantar já consegui comer as batatas cozidas e bebi mais chá. Dormi mais 10 horas. De manhã acordei mais recuperada.

Percurso: 294 km
Saímos pelas 9 da manhã. Ainda com algum desarranjo intestinal, decidimos que era melhor por a minha moto na carrinha para prevenir alguma emergência e não atrasar o Grupo ou comprometer o dia de viagem. O Azevedo tinha pensado ir pela pista da praia mas a maré estava cheia e não foi possível. Pela pista até à estrada principal, direcção sul por mais pista razoável até Louga. Apanhamos alcatrão até Thies onde conseguimos chegar à hora de almoço. Atestaram-se os depósitos pois por esta região a gasolina é um bem raro no interior e temos de aproveitar a passagem nas cidades para abastecer. Numa pastelaria que por fora até parecia chique, os rapazes contentaram-se com umas sandes de galinha frita embrulhadas em papel de jornal, acompanhadas pelas bebidas possíveis e uns sacos onde “engarrafam” água. Aquilo até cheirava bem mas para mim dava-me enjoos. Comi um bocado de pão com manteiga.
Saímos pelas 9 da manhã. Ainda com algum desarranjo intestinal, decidimos que era melhor por a minha moto na carrinha para prevenir alguma emergência e não atrasar o Grupo ou comprometer o dia de viagem. O Azevedo tinha pensado ir pela pista da praia mas a maré estava cheia e não foi possível. Pela pista até à estrada principal, direcção sul por mais pista razoável até Louga. Apanhamos alcatrão até Thies onde conseguimos chegar à hora de almoço. Atestaram-se os depósitos pois por esta região a gasolina é um bem raro no interior e temos de aproveitar a passagem nas cidades para abastecer. Numa pastelaria que por fora até parecia chique, os rapazes contentaram-se com umas sandes de galinha frita embrulhadas em papel de jornal, acompanhadas pelas bebidas possíveis e uns sacos onde “engarrafam” água. Aquilo até cheirava bem mas para mim dava-me enjoos. Comi um bocado de pão com manteiga.
Que diferença entre as estradas interiores e a estrada principal. Pelo interior vemos muitas aldeias, mercados nas ruas, mulheres a vender mangas e papaias. Centenas de sacos de cebolas prontos para serem recolhidos à beira da estrada. Crianças, há centenas de crianças por todo o lado, sorridentes. E jogos de matraquilhos. Sim, surpreendente, nesta região do Senegal por todo o lado se vêm crianças a jogar matraquilhos. A paisagem está salpicada de Baubas, gigantescas árvores com troncos em copa que alojam milhares de ninhos de pássaros. A terra é vermelha, o sol é a pique.
Ao longo da estrada principal a paisagem é descaracterizada. Vêem-se muitos camiões, velhos, ferrugentos, lentos. As aldeias são de tijolo cinza, paredes erguidas e inacabadas. Há muito lixo à beira da estrada. Os mercados são confusos, atulhados de bancas, carroças e gente.
Já perto de Dakar decidimos ir primeiro visitar a reserva de Bandia, mesmo no meio do Parque Nacional Langue de Barbárie que ficava em caminho. A reserva tem uns passeios safari, com uns jipes transformados para turistas com três filas de assentos na caixa. Pelas 3h da tarde, na hora do calor os bichos estavam debaixo das árvores, à sombra, meio escondidos mas o guia sabia onde os encontrar. Passamos cerca de duas horas a passear pela reserva e quando chegamos perto dos rinocerontes a minha máquina ficou sem bateria. Raios, só faltava isto.
Para chegar a Lac Rose, andámos pelo interior, por pistas com piso difícil, toneladas de pó, horas de buracos e desembocámos mesmo no meio das salinas de Lac Rose, um lago salgado, imenso, com tom rosado que é uma mina de sal. Vêem-se montes de sal em bruto de branco cinza, alinhados ao longo do lago. O Hotel é do outro lado onde chegámos ao entardecer sempre pela margem do lago, cansados, suados e cheios de pó. Ainda bem que vim no carro de apoio, com a minha falta de experiência em terra e a quantidade de pistas que fizemos hoje, de certeza a viagem tinha corrido mais lenta e atribulada.
Como prémio descobrimos que o Hotel tem piscina. Foi apenas tempo de largar o equipamento, vestir o fato de banho e correr para a piscina. Mas não, ainda não era agora, o guarda do Hotel veio informar que a tradição era primeiro tomar banho no lago, uns metros à frente, numa praia fluvial. A água é escura, morna, caldo. O guarda fazia gestos para entrarmos devagar e não mergulhar pois era perigoso a água na boca e nos olhos. Fazia sinal para nos deitarmos lentamente. Como a água é incrivelmente salgada, nada se afunda. Foi como deitar no sofá, boiar sem qualquer esforço. Aquele caldo quente aconchegou, relaxou os músculos, aqueceu a alma depois do tormento para chegar ali.
A saída para a piscina tem uma praxe, uma passagem por uma nascente de água doce onde o guarda apanha água com um pequeno balde e nos deitava pela cabeça abaixo, água límpida e fria. Retemperados depois do merecido banho de piscina, jantámos e descansámos. Amanhã vamos passar a fronteira para a Gambia, adivinha-se mais uma negociação difícil.
9 Junho 2009 – 11º dia de viagem
A caminho da Gâmbia são só 270 km. Saímos do camping rumo a Rufisk para pôr gasolina, cidade que tivemos de atravessar e que demorou quase uma hora, com um trânsito caótico, milhares de pessoas na estrada, cabras, vacas, vendedores, camiões podres e vagarosos. 100 km à frente, no desvio em Fatik descobrimos que a barcaça que nos levaria até ao outro lado do rio estava avariada. Tivemos de subir até Kaolac e voltar para baixo de novo, mais cerca de 70 km que o plano inicial. Depois da cidade atalhámos por uma estrada cheia de buracos. Aquilo não era uma estrada, eram crateras rodeadas de alcatrão, era mais fácil ir pela berma, uma pista de cada lado da estrada por onde todos circulam. 80 km e duas horas e meia depois apanhámos de novo o track original, uma estrada boa que nos levou até à fronteira, uma linha entre dois países, cheia de lojas de cada lado, uma linha atulhada de gente.
Mal chegámos fomos rodeados por mulheres a vender sacos de caju, a vender mangas, homens a vender seguros que davam para todos os países de África, crianças a vender ervas, a pedir moedas, homens a querer comprar as motos. Eram persistentes, colantes, uma multidão a fazer negócio à conta dos incautos que se arriscam a um mero sorriso. O Carlos foi tratar da papelada e até foi grátis e rápido sair do Senegal. Uns metros à frente a Gambia e lá foi de novo o Tour Leader com a documentação toda, passaporte e documentos da moto. Ficámos por ali a ver o movimento dos vendedores que não olham a fronteiras e se movem entre os dois países a tentar vender tudo sem olhar a linhas entre países. A dinâmica da fronteira é única.
Enquanto estivemos à espera, a pensar se ainda conseguiríamos chegar ao destino com luz do dia, tivemos o privilégio de assistir a um acontecimento oficial e na 1ª fila. Estávamos nós sentados à sombra, debaixo da arcada junto ao posto da polícia na fronteira quando saiu de lá um homem com um apito. Posicionou-se cá fora, aprumado e apitou. Ouviu-se por toda a região. De seguida saíram os cinco guardas da fronteira, cada um com um uniforme diferente, em fila indiana, a marchar porta fora. Cá fora, viraram à esquerda ao som do apito e à ordem do primeiro, frente ao poste da bandeira, perfilaram-se em sentido. O chefe começou a descer a bandeira.
Entretanto o barulho da fronteira parou, todos se levantaram (inclusive nós), todos em sentido virados para a bandeira, os carros foram desligados, os vendedores calaram-se, silêncio das mulheres que vendem mangas e cajus, silêncio nas lojas, silêncio dos clientes, nos transeuntes, toda a área estava num silêncio absoluto. Só se ouviam os pássaros, todo o resto do mundo estava de pé, em sentido, calados, a olhar para a cerimónia. A bandeira baixou com a praxe toda, o chefe da guarda enrolou, viraram-se e lá foram eles de volta para o posto. Após o último apito a vida voltou aquele lugar. Surreal, uma experiência singular.
Nas três horas que estivemos à espera, completamente alagada em suor, roupa colada ao corpo, encharcada, tive tempo para pensar em como tudo é realmente relativo nesta vida. O que me poderia incomodar num dia normal de escritório em que o ar condicionado estivesse a funcionar mal, aqui faz parte da rotina, é hábito, é normal. Já não me incomoda o calor, a sede faz parte da viagem, a fome controla-se bem, as camadas de pó que invadiram o equipamento e lhe mudaram a cor são normais.
Conseguimos sair da fronteira ao pôr-do-sol e pagar apenas o preço oficial do visto, uma negociação difícil do nosso responsável da viagem com dotes de diplomata . Pelos relatos de outros viajantes estávamos à espera de gastar até 100 euros. Tivemos sorte.
Já era noite e ainda tínhamos de atravessar o rio Gambia. Para chegar ao cais de embarque foi uma gincana pelas ruas estreitas da aldeia de pescadores, ruas de areia, pois a estrada estava em obras, sem sinalização e não conseguíamos perceber as placas de desvio se é que as havia.
O cais de embarque é uma feira, aquela hora, completamente às escuras. Adivinhavam-se carretas de vendedores, carrinhas velhas e barulhentas cheias de mercadorias para vender no mercado em Banjul, pessoas a circular que apenas vislumbrávamos através da luz difusa das poucas lanternas que alguns afortunados tinham. O último barco é às 11h da noite e está uma fila interminável de viaturas para passar. O bilhete do barco custa apenas 30 cêntimos mas o desafio é passar à frente da fila de quase 70 carros, senão temos de dormir por aqui e passar amanhã de manhã. Como de costume, o Azevedo conseguiu negociar a ultrapassagem do carro de apoio para a frente da fila que nos custou 30 dollars da Gambia, 1.000 CFAs, duas lanternas e dois autocolantes.
Duas horas depois embarcámos e lá se atravessou o rio. Contornámos Banjul por uma circular em alcatrão, iluminada e com vários controlos de polícia. Mas ainda faltam cerca de 60 km até uma aldeia perdida no mato, por onde se chega por uma pista sem sinalização, pista que nem me apercebi se era fácil ou difícil, bendito GPS, aquela hora só interessava chegar.
Foi a primeira vez em toda a viagem que chegamos de noite, eram 2.30h da manhã quando chegamos a Tumani Tenda. Cansados e esfomeados fomos recebidos pelo chefe da tribo Jola e por mais alguns membros da aldeia que tinham o jantar à nossa espera. De uma simpatia como já é raro, acolheram-nos com grandes sorrisos. Devorámos o jantar, delicioso e farto. Aterrei na cama, sem banho, vestida, exausta.
Percurso: 310 km
Moving time: 7:15h
Total time: 16 horas
A caminho da Gâmbia são só 270 km. Saímos do camping rumo a Rufisk para pôr gasolina, cidade que tivemos de atravessar e que demorou quase uma hora, com um trânsito caótico, milhares de pessoas na estrada, cabras, vacas, vendedores, camiões podres e vagarosos. 100 km à frente, no desvio em Fatik descobrimos que a barcaça que nos levaria até ao outro lado do rio estava avariada. Tivemos de subir até Kaolac e voltar para baixo de novo, mais cerca de 70 km que o plano inicial. Depois da cidade atalhámos por uma estrada cheia de buracos. Aquilo não era uma estrada, eram crateras rodeadas de alcatrão, era mais fácil ir pela berma, uma pista de cada lado da estrada por onde todos circulam. 80 km e duas horas e meia depois apanhámos de novo o track original, uma estrada boa que nos levou até à fronteira, uma linha entre dois países, cheia de lojas de cada lado, uma linha atulhada de gente.
Mal chegámos fomos rodeados por mulheres a vender sacos de caju, a vender mangas, homens a vender seguros que davam para todos os países de África, crianças a vender ervas, a pedir moedas, homens a querer comprar as motos. Eram persistentes, colantes, uma multidão a fazer negócio à conta dos incautos que se arriscam a um mero sorriso. O Carlos foi tratar da papelada e até foi grátis e rápido sair do Senegal. Uns metros à frente a Gambia e lá foi de novo o Tour Leader com a documentação toda, passaporte e documentos da moto. Ficámos por ali a ver o movimento dos vendedores que não olham a fronteiras e se movem entre os dois países a tentar vender tudo sem olhar a linhas entre países. A dinâmica da fronteira é única.
Enquanto estivemos à espera, a pensar se ainda conseguiríamos chegar ao destino com luz do dia, tivemos o privilégio de assistir a um acontecimento oficial e na 1ª fila. Estávamos nós sentados à sombra, debaixo da arcada junto ao posto da polícia na fronteira quando saiu de lá um homem com um apito. Posicionou-se cá fora, aprumado e apitou. Ouviu-se por toda a região. De seguida saíram os cinco guardas da fronteira, cada um com um uniforme diferente, em fila indiana, a marchar porta fora. Cá fora, viraram à esquerda ao som do apito e à ordem do primeiro, frente ao poste da bandeira, perfilaram-se em sentido. O chefe começou a descer a bandeira.
Entretanto o barulho da fronteira parou, todos se levantaram (inclusive nós), todos em sentido virados para a bandeira, os carros foram desligados, os vendedores calaram-se, silêncio das mulheres que vendem mangas e cajus, silêncio nas lojas, silêncio dos clientes, nos transeuntes, toda a área estava num silêncio absoluto. Só se ouviam os pássaros, todo o resto do mundo estava de pé, em sentido, calados, a olhar para a cerimónia. A bandeira baixou com a praxe toda, o chefe da guarda enrolou, viraram-se e lá foram eles de volta para o posto. Após o último apito a vida voltou aquele lugar. Surreal, uma experiência singular.
Nas três horas que estivemos à espera, completamente alagada em suor, roupa colada ao corpo, encharcada, tive tempo para pensar em como tudo é realmente relativo nesta vida. O que me poderia incomodar num dia normal de escritório em que o ar condicionado estivesse a funcionar mal, aqui faz parte da rotina, é hábito, é normal. Já não me incomoda o calor, a sede faz parte da viagem, a fome controla-se bem, as camadas de pó que invadiram o equipamento e lhe mudaram a cor são normais.
Conseguimos sair da fronteira ao pôr-do-sol e pagar apenas o preço oficial do visto, uma negociação difícil do nosso responsável da viagem com dotes de diplomata . Pelos relatos de outros viajantes estávamos à espera de gastar até 100 euros. Tivemos sorte.
Já era noite e ainda tínhamos de atravessar o rio Gambia. Para chegar ao cais de embarque foi uma gincana pelas ruas estreitas da aldeia de pescadores, ruas de areia, pois a estrada estava em obras, sem sinalização e não conseguíamos perceber as placas de desvio se é que as havia.
O cais de embarque é uma feira, aquela hora, completamente às escuras. Adivinhavam-se carretas de vendedores, carrinhas velhas e barulhentas cheias de mercadorias para vender no mercado em Banjul, pessoas a circular que apenas vislumbrávamos através da luz difusa das poucas lanternas que alguns afortunados tinham. O último barco é às 11h da noite e está uma fila interminável de viaturas para passar. O bilhete do barco custa apenas 30 cêntimos mas o desafio é passar à frente da fila de quase 70 carros, senão temos de dormir por aqui e passar amanhã de manhã. Como de costume, o Azevedo conseguiu negociar a ultrapassagem do carro de apoio para a frente da fila que nos custou 30 dollars da Gambia, 1.000 CFAs, duas lanternas e dois autocolantes.
Duas horas depois embarcámos e lá se atravessou o rio. Contornámos Banjul por uma circular em alcatrão, iluminada e com vários controlos de polícia. Mas ainda faltam cerca de 60 km até uma aldeia perdida no mato, por onde se chega por uma pista sem sinalização, pista que nem me apercebi se era fácil ou difícil, bendito GPS, aquela hora só interessava chegar.
Foi a primeira vez em toda a viagem que chegamos de noite, eram 2.30h da manhã quando chegamos a Tumani Tenda. Cansados e esfomeados fomos recebidos pelo chefe da tribo Jola e por mais alguns membros da aldeia que tinham o jantar à nossa espera. De uma simpatia como já é raro, acolheram-nos com grandes sorrisos. Devorámos o jantar, delicioso e farto. Aterrei na cama, sem banho, vestida, exausta.
Percurso: 310 km
Moving time: 7:15h
Total time: 16 horas
10 de Junho 2009 – 12º dia de viagem
Tumani Tenda é um acampamento ecológico para turistas, construído pelo povo Jola para ganhar dinheiro e ajudar a aldeia. Têm algumas casas rústicas prontas e o objectivo é conseguir construir 7 casas, uma por cada família que vive na aldeia (designam família aos membros com o mesmo apelido mas que é constituída por diversas famílias, ao todo, cerca de 300 pessoas na aldeia). Vivem em comunidade e partilham tudo, desde o campo de arroz, a horta das mulheres, os animais. Cultivam o seu sustento, pescam para consumo próprio e vendem alguns produtos no mercado da vila mais próxima, vila onde também há uma loja, um posto de polícia, internet e electricidade de um gerador.
De manhã acordámos tarde e os rapazes foram andar de piroga e tomar banho no rio que está mesmo coladinho ao acampamento. Estive à conversa com Kebba, o camp manager, homem calmo e ponderado, de olhar paciente e expressão de paz, daqueles em que se sente logo que podemos confiar. Esteve a falar da tribo, da Gambia e do projecto do acampamento. Já conseguiram construir uma escola, têm alguns medicamentos essenciais, todos sabem ler e escrever em Inglês, segunda língua do País e o grande sonho é conseguirem angariar dinheiro para comprar painéis solares para terem electricidade e poderem ter frigoríficos ligados o dia todo, pois apenas têm um minúsculo gerador que ligam à noite quando têm hóspedes. Fala com olhar sonhador e esperança de amealhar cerca de 1.000 euros, o preço de dois painéis solares que vão permitir o avanço tecnológico da aldeia.
Tocou-me a humildade daquele homem, daquele povo sorridente e resignado, senti-me envergonhada com um sonho tão difícil para eles e tão acessível para nós. Gostava de os ajudar.
Depois de um almoço delicioso, cozinhado em enormes potes de ferro e de uma sesta, pelas 4h da tarde partimos de novo de volta ao Senegal, rumo ao Sul, pois a Gambia é uma língua de terra, estreita e comprida, encravada no Senegal.
Por uma estrada asfaltada, excelente piso, por entre uma vegetação exuberante e colorida, a viagem foi pacífica, passamos por vários controlos de polícia, a passagem da fronteira rápida e sem peripécias. Pelas 6 horas da tarde chegamos a Baila, aldeia com um novo acampamento, novas cubatas, nova tribo mas o mesmo cheiro a manga no ar, o mesmo calor, a mesma humidade, continuámos a ver vacas a atravessar a estrada, porcos e galinhas, aldeias e vendas de fruta ao longo da estrada.
Nesta região do interior há pouco lixo plástico à beira da estrada, as casas das aldeias são alinhadas, têm quintais cercados por sebes de palha ou de troncos cortados, as crianças vêm a correr ouvir o barulho das motos, riem-se e acenam contentes.
O Azevedo contou que quando cá esteve todo este percurso era uma pista de terra vermelha e agora asfaltaram tudo, a estrada que atravessa a Gambia é uma estrada. Eu estou contente, ainda tenho receio de pistas, pouca experiência em terra e uma boa estrada permite-me canalizar a atenção para o que me rodeia, ver a paisagem, desfrutar das cores e dos cheiros, beber esta África. A pista já não é pista mas a paisagem não mudou, as árvores estão lá, as termiteiras estão lá, a terra continua vermelha, as cores são fantásticas, o mundo é imenso, tal como as fotos e o vídeo que devorei várias vezes antes de me inscrever para esta viagem.
Percurso: 60 km
Moving time: 1 h
Total time: 2 horas
Está calor. O ar é pesado. Saímos para a estrada já passava das 10h da manhã. O percurso hoje é curto, o dia é para passear pela região. Estamos na zona de Casamance, uma das mais bonitas do Senegal mas uma região atribulada por uma guerra que dura há mais de 30 anos. Até Bigorna foi rápido e pacífico, aproveitámos para pôr gasolina, bem precioso por estas bandas. O posto de abastecimento estava fechado mas atestavam as viaturas com bidões de 5 litros que vendiam caro. Aliás, acabei por não perceber qual o preço do combustível no sul do Senegal pois cada vez que metia gasolina o preço era diferente, ia aumentado à medida que rolávamos para sul.
Rumo a Zinguinchor, por estrada de asfalto, a paisagem verde e espessa acompanhou-nos, as aldeias alinhadas com muros feitos de troncos cortados, árvores carregadas de mangas que caem no chão de maduras e enchem o ar com um cheiro fantástico. A única nota diferente era a quantidade de soldados isolados que havia ao longo da estrada, de metralhadora ao ombro a vigiar a estrada. Não mandavam parar, alguns cumprimentavam, encontrava-se por vezes jipes cheios de soldados , o exército sentia-se presente.
À entrada de Zinguinchor tivemos de parar. Uma placa a assinalar a polícia, um carro descaracterizado, homens com colete fluorescente mas sem uniforme. O Ricardo Azevedo já lá estava parado a abrir os bolsos, a despejar as malas da moto. Um homem mandou-me parar, pediu o passaporte, começou a fazer perguntas. De onde vem, para onde vão, é um rali? O carro de apoio parou 3 minutos depois e logo a seguir apareceu o resto dos rapazes. Mandaram despejar os bolsos, abrir as malas que tinham sido arrumadas nessa manhã, até me pediram para levantar o banco da moto. Aquilo era estranho pois eles não estavam fardados, nada simpáticos, começei a pensar se não seriam polícias a fazer algum biscate de sacar uns trocos a turistas medrosos. Mas os Tugas estavam calmos, mostraram tudo, as roupas sujas, os sacos de medicamentos, a lâmina da barba que não era utilizada há séculos. Acabaram por desistir.
A seguir à cidade o Tour Leader encontrou um restaurante com ar decente para almoçar que tinha um menu com um prato de crocodilo. Durante a Viagem os almoços têm sido quase à hora do lanche, ainda bem que trago sempre comigo os restos do pequeno-almoço para trincar quando paro para tirar fotos. Depois a estrada de terra até à aldeia de Enampor foi muito rápida e chegámos a meio da tarde.
Enampor é um dos locais indígenas para turistas onde ainda há as casas tradicionais da região, o “Empluvium”, uma casa redonda com um pátio central, organizada em vários quartos onde vivia cada família. A construção quase fechada possibilitava a defesa contra os animais selvagens, a abertura central permite a respiração da casa e a iluminação. Os rapazes estavam com a adrenalina toda e ainda foram dar um pulinho até Cap Skirring. Eu fiquei à conversa com os locais a perguntar sobre os hábitos da região. Contaram-me sobre a organização da aldeia, também ela comunitária, contaram-me sobre a vida actual e que a falta de chuva tem tirado trabalho ao povo pois não podem cultivar. Descobri uma coisa interessante – actualmente há cada vez menos homens com mais de uma mulher pois com a escassez de trabalho não lhes é possível sustentar várias mulheres e filhos. Por isso agora os homens só têm uma mulher.
O pôr-do-sol apanhou-me sentada a observar a azáfama da aldeia e a pensar sobre a diferença abismal entre as cidades e o interior. No campo as crianças brincam alegremente, aproximam-se de nós e sorriem. Na estrada vêem-se filinhas de crianças que vêm da escola e cartazes a incentivar a ida à escola “Je veux aller à l’ecóle et reussir”. Por outro lado nas cidades as crianças têm o olhar mortiço, semblante triste, aproximam-se de mão esticada a pedir.
Percurso: 220 km
Total time: 5:30 horas
Saída de Enampor tarde. Foi um instante até à fronteira com a Guiné-Bissau. Não me lembro quantos km foram mas com o andamento que estamos qualquer centena de km é um pulinho. A saída do Senegal foi pacífica, a entrada na Guiné foi fantástica. Atirei um Bom Dia aos guardas da fronteira com a satisfação de estar a falar a minha língua. Fui retribuída com um bom dia de espanto de verem meia dúzia de Tugas de moto a aparecer por ali.
Nesta fronteira não pagámos nada. Já tínhamos o visto tirado em Lisboa, um bocado à conversa com os guardas sentados à sombra, carimbo e andar. Logo a seguir à fronteira é a vila de S. Domingos e a encruzilhada para a decisão. Ainda sobra um dia, hoje é sexta-feira e podemos ir já para Bissau e ficar lá dois dias ou tentar explorar um local que o Azevedo já tinha ouvido falar, a localidade de Varela, uma praia perdida onde mora uma portuguesa que tem um Hotel. Até lá é uma pista que o Comandante da polícia de S. Domingos disse que as motos passam bem, o problema é os carros. Desconfiada com aquela descrição, lá fui atrás dos rapazes. Logo nos primeiros km da pista percebemos o que ele queria dizer. Voltei para trás e pedi-lhe para guardar a moto. Não tenho nenhum fascínio por pistas difíceis, não me sinto capaz de fazer este percurso e estou cansada. E ainda bem que o fiz, em toda a viagem foi a pista mais difícil que apareceu. Chamar aquilo de pista até é um elogio, aquilo era uma sequência de lombas e buracos, areia e valas, mais lombas e buracos e uma ponte feita de barras de ferro calçada com barrotes de madeira, sobre um rio que viemos a saber estar cheio de crocodilos. 50 Km de solavancos e 2,5 horas até chegar ao destino.
Mas o destino é um oásis. Um Hotel de bungalows limpos e arejados, casa de banho com azulejos, empregados simpáticos e a D. Fátima, uma portuguesa com raízes guineenses, faladora, simpática, hospitaleira que assentou por lá e toma conta da aldeia, arranja medicamentos para os locais e conseguiu motiva-los a construir uma escola. Quatro horas da tarde e arranjou-nos um petisco para almoçar, contou a sua história e das suas raízes (a sua avó deu o nome ao Hotel) e explicou-nos como chegar até à praia.
Por uma pista de areia, daquelas em que quando se pára fica-se atascado, lá fomos todos dentro do carro de apoio, vertiginosamente pela estrada abaixo, a cruzar a areia do caminho. A praia de Varela é a perder de vista, enorme, de areia branca, sem ninguém, mar imenso, calor, água a 30 graus.
De molho naquele paraíso de silêncio, vimos aproximar-se um pescador com uma cesta cheia de peixe. Claro que os Tugas tinham de falar com ele e acabámos a comprar três peixes por 1,5 euros que comemos ao jantar cozido em caldo de limão. Uma delícia.
Percurso: 110 km
Total time: 4,5 horas
Depois de um bom banho que apenas aliviou por uns minutos pois rapidamente fiquei pegajosa de novo tal é o grau de humidade do ar, fomos almoçar. Depois do pequeno-almoço apenas beliscamos uns cajus que compramos na fila da barcaça, tinha o estômago colado às costas mas nem sentia fome, apenas um estado de carência que explodiu quando entramos na cervejaria Tamar, perto do Hotel. Devorámos a linguiça, os camarões cozidos, todo o pão que lá existia e o stock de manteiga.
Fomos dar uma volta a pé pelas imediações do Hotel, descemos até avistar o porto, passeamos pela avenida principal de Bissau e estacionamos na esplanada Baiana para uma bebida onde conversámos até ser noite. Em frente ao Hotel há o restaurante “O Porto”, também ele propriedade de um português e ponto de encontro luso, onde acabamos a noite a comer pregos.
Domingo de manhã, acordámos preguiçosos, tomamos o melhor pequeno-almoço da viagem e fomos à descoberta de Bissau. O Azevedo sabia de um mercado muito característico e lá fomos negociar táxis para todos. Por 400 CFA cada táxi, rumamos ao mercado de Bandi, ao cimo da avenida principal, junto à entrada da cidade. Entrei noutro mundo. A confusão era total. O mercado começa na estrada, estende-se aos passeios, entranha-se por toldos, casas e vielas. Por todo o lado há bancas de aglomerado com artigos expostos. Vende-se de tudo, mas tudo mesmo. Bancas de talho com nacos de carne cheios de moscas e pessoas a escolher o melhor bocado misturam-se no mesmo espaço com um especialista de manicura que tem meia dúzia de vernizes coloridos e uma garota de unhas compridas como cliente, bancas de legumes e de moscas cruzam com bancas de roupas coloridas e fatos de treino, ao lado de bancas de peixe e bocados de espinhas cheias de moscas e lojas com materiais de construção, baldes, cafeteiras, panelas e arames, banquetas com comprimidos azuis e outros elixires de potencia, mulheres com alguidares de cajus e frutas e moscas, sacos de arroz da Tailândia amontoados junto às paredes à mistura com sacos de fertilizante e químicos, moscas, carpinteiros a fazer portas e camas trabalhadas com torneados, muitas zonas de lojas cheias di-apa-re-lha-gem-di-som, te-le-move, al-ta-tec-nó-lo-gia, ri-ló-gios, tudo importado com marcas altamente orientais, música alta, muito alta, moscas, muita gente a vender, muita gente a comprar, é Domingo de manhã, dia de mercado.
As vendas entopem as ruas com estendais de artigos e lixo nas bermas, as vendas entram em espaços tapados que era suposto serem mercados oficiais mas que estão congestionados de negócio, há apenas uns corredores muito estreitos por onde as pessoas circulam, se alguém pára a ver uns artigos toda a fila de gente que vai atrás pára também, dá-se o caos de engarrafamento, o calor é sufocante. Entrámos e saímos de ruas e carreirinhos, fomos olhados com espanto, pisámos bocados de couve podre, enjoámos com o cheiro do peixe a secar, ensurdecemos com o despique da música mais alta, ora em praças destapadas ao sol, ora em vielas escuras, constantemente assaltados pelas moscas.
Já era tempo de acabar a visita. Vamos descansar até uma esplanada. Na falta de táxis e na falta de negociação de um preço razoável, fomos para a paragem do autocarro local chamado de toca-toca, um sistema de transporte urbano, empresarial, composto por carrinhas comerciais azuis Ford, Toyota, Mercedes e outras, esmurradas e ferrugentas, com bancos corridos nos lados, entra-se ou pela porta do fundo ou pela lateral e paga-se 100 CFA. Há dezenas delas a passar constantemente, avenida acima, avenida abaixo. Conseguimos convencer um a levar-nos directamente à esplanada Baiana, onde desembarcámos debaixo dos olhares espantados dos clientes ocidentais que têm altas máquinas de todo-o-terreno e da empregada que tira macacos do nariz enquanto atende os clientes e que depois de pagarmos passa a vida a dizer – não tem troco.
O calor era insuportável, a atmosfera com um grau de humidade impossível, estamos constantemente a transpirar, parece que está sempre prestes a chover. Após um almoço no restaurante frente ao Hotel, a tarde foi passada a vegetar por ali. Hoje é o regresso a casa, vou arrumar a tralha, ver o que levo comigo e o que tem de ir dentro do carro de apoio, dentro do contentor. Em Bissau é aconselhável fazer o check-in no aeroporto 4 horas antes do voo, pelo menos. Pedimos o apoio do Alexandre que conhece todos os procedimentos necessários. Lá fomos ao princípio da noite ao aeroporto para confirmar o lugar e despachar a bagagem. Mais uma experiência alucinante.
De boleia no carro de serviço do Hotel e acompanhados pelo funcionário já experiente nestas coisas, chegámos a um local ermo e escuro onde se avistava a luz de umas quantas lanternas – isto é o aeroporto???? Sim, daqui a pouco já vão ligar os geradores, disse o nosso acompanhante. Ao que parece, o aeroporto está normalmente fechado e só abre quando há voos. Tem um gerador para garantir o funcionamento pois não há energia eléctrica na cidade.
Frente à porta principal do aeroporto já se alinhavam três carrinhos de bagagem, em filinha, uma fila que começou a ser negociada. É que a entrada no aeroporto para o check-in é toda ela negociada com os funcionários da porta, o processo de check-in é moroso e complicado a as malas arriscam-se a ficar em terra e os últimos arriscam-se a perder o lugar no avião. Por isso há que fazer o check-in o mais cedo possível para garantir o lugar de volta a Portugal. Assim, os primeiros a entrar no aeroporto, tratar de despachar as malas e receber o bilhete são os que têm hipótese de entrar no avião, além do que é mais certo que as malas venham no mesmo avião. África é assim e para mim tudo isto foi uma novidade espantosa.
Curiosa com esta realidade, os meus sentidos estavam a trabalhar a 200%. O nosso acompanhante tratou de cumprimentar todos os funcionários importantes, dizer que “é mala di branco” e lá conseguiu também cumprimentar a alta individualidade do chefe dos guardas do aeroporto, um homem mais idoso, magro e ressequido que comandava a ordem da fila de entrada, atendia o telemóvel constantemente a prometer passes de entrada para quem queria vir esperar familiares e estava de plantão a barrar a porta e a verificar os passaportes. Eu e o Ricardo Azevedo tivemos o “privilégio” de entrar rapidamente e mais uma fila para verificar se estamos na lista de passageiros do avião. Uma lista impressa em papel contínuo, com a tinta esmorecida que obrigava o respectivo funcionário a iluminar a lista com uma lanterna adicional, não sei se pela fraca iluminação do aeroporto se pelo fraco domínio da arte da leitura e que teve a ajuda de uma moça a explicar que caso não conseguisse encontrar os nomes seria mais fácil ir pelo número da reserva, o qual estava por ordem.
Ao lado, a revista da bagagem, duas funcionárias que vasculhavam manualmente as malas dos passageiros, encostadas a um scanner moderno mas desligado. A única máquina que funcionava era a porta de detecção de metais que nem detectou a resma de chaves de casa que eu tinha no saco de depósito da moto que trazia a tiracolo. Numa banca estreita com um pequeno terminal de computador, o funcionário emitia os bilhetes à mão e os identificadores da bagagem, também eles manuscritos, após consultar a lista no monitor azul com letras brancas enormes. Lá fora a fila de passageiros aumentava, a confusão aumentava mas entravam um a um para não fazer confusão dentro do espaço de check-in, espaço que não devia ter mais de 25 por 10 metros. Fiquei sem saber se é uma triste realidade se é uma questão mais relacionada com a cultura dos povos.
Voltámos ao Hotel para jantar e fazer tempo até à uma da manhã, hora que regressámos ao aeroporto depois de sabermos que o avião estava atrasado. A sala de embarque é simples, tem cadeiras de madeira corridas e a um canto um free shop com produtos de artesanato alinhados no chão, lenços e vestidos de cores garridas pendurados na parede, uma banca cheias de colares e pulseiras de motivos tribais por onde passeava uma colónia de baratas mas onde os produtos são a metade do preço que nas bancas de rua para turistas. O avião chegou e estacionou tão encostado à vidraça da sala que abanou toda a estrutura.
Aterrei em Lisboa ao nascer da manhã, aterrei no trânsito da 2ª circular que me demorou mais tempo a chegar a casa que o tempo que demorou a fazer os 50 km de pista entre Varela e S. Domingos, aterrei na realidade.
Sim senhora!!!!!!!!
ResponderEliminarA menina anda-lhe a dar com alma.
Beijinhos